quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A Bíblia ensina que os cristãos devem congregar no templo?

Uma das justificativas mais usadas pelos religiosos (fariseus) do sistema denominacional para fundamentarem a ideia de que os cristãos devem se reunir em um templo para a adoração e ministério está em Atos 2.46, onde diz que aqueles cristãos estavam “perseverando unânimes todos os dias no templo”. Apesar da Escritura nos mostrar claramente que os primeiros cristãos congregavam em suas casas (1Co 16.5,19; Cl 4.15; Fm 1.2), fazendo da adoração no lar um substituto para a adoração no Templo, muitos dos “pastores” e líderes religiosos insistem que o padrão para a adoração e ministério na Igreja é estar em um templo, e que aqueles que não estão dentro do templo são “desigrejados”.

Todavia, quem pensa ser possível entender a Bíblia com tudo junto e misturado cai em erros assim: Por encontrar os discípulos nos Evangelhos adorando a Deus no Templo, e fazendo isso até nos primeiros dias da história da Igreja, deverá imitá-los. Porém, fazer isso é não entender que o Templo de Jerusalém — e não alguma construção católica ou protestante — era o único lugar de adoração autorizado pelo Senhor para Israel.

Deus nunca ordenou que os cristãos fossem ao Templo para cultuá-lo. No começo, eles simplesmente continuaram fazendo isso durante um tempo por inércia, de forma espontânea, porque ainda não haviam recebido a revelação de Paulo do que realmente se tratava a Igreja e de como a adoração e ministério funcionaria de uma forma completamente diferente daquela conhecida por eles até então. À partir da revelação dada especialmente a Paulo, o apóstolo dos gentios, os discípulos entenderam que o lugar de cultuar e adorar a Deus já não era mais o Templo físico que estava em Jerusalém, mas sim o Nome do Senhor Jesus, como Ele [Jesus] já havia profetizado (Mt 18.20). Pela doutrina revelada aos apóstolos, em especial Paulo, logo após o período em que a Igreja ainda estava se organizando em Atos, esses discípulos entenderam que havia agora três classes de pessoas no mundo: Judeus, gentios e Igreja: "Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos [gentios], nem à igreja de Deus" (1 Coríntios 10.32).

No entanto, antes mesmo que essas coisas viessem à luz, Jesus já havia vaticinado esse momento de ruptura com aquela ordem de coisas do Judaísmo, quando disse à mulher samaritana: "Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém (Templo) adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade." (João 4.21-24).

Mais a frente, essa ruptura seria cimentada pela revelação do que é, de fato, a Igreja. Essa revelação do Espírito Santo foi dada inicialmente ao apóstolo Paulo, e também através de epístolas como aos Gálatas e Hebreus.

Além dessas revelações sobre como a Igreja deveria se reunir numa assembleia, a história ainda nos trouxe eventos indicando que Deus faria com que Sua vontade a respeito de tudo isso seria feita, como no caso da permissão de Deus para que os cristãos fossem afugentados de Jerusalém por conta da perseguição desencadeada com a morte de Estêvão (cf. Atos 11.19). O que Deus quis com isso? A destruição do Templo no ano 70 d.C.

Ou seja, não somente a revelação dada aos apóstolos e o aviso de Jesus Cristo de que o Templo não seria mais um lugar de adoração, como também os próprios desígnios de Deus foram essenciais para mostrar de forma clara ao povo cristão que Ele não queria ser adorado em “templos de pedras”, cheias de adornos judaicos e com “sacrifícios de tolos”.

O que falta a esses “pastores” e “ministros” do sistema religioso denominacional é o entendimento que me faltaria se eu tentasse socorrer um acidentado e tentasse reconstruir seu corpo. Por não ser médico, eu acabaria costurando os órgãos nos lugares errados, na ordem errada e para cumprirem funções erradas. O resultado seria um corpo bem ao estilo Frankenstein. Assim são as denominações existentes na cristandade, e é assim que muitos de seus ministros tentam explicar a Bíblia, sorteando os versículos que mais lhe agradam e que se encaixam em suas doutrinas pré-estabelecidas.

Quanto a isso, o apóstolo Paulo instrui Timóteo da seguinte forma: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Timóteo 2.15).

A versão de J. N. Darby, se traduzida para o português, ficaria assim: “Esforça-te diligentemente para apresentar-te aprovado a Deus, como obreiro que não tem de que se envergonhar, cortando com precisão a palavra da verdade”. Nesta versão, a imagem que temos é de um bisturi nas mãos de um hábil médico que separa os órgãos corretamente, de acordo com seu lugar, posição e função.

A primeira edição da Bíblia em inglês, publicada em 1535 por iniciativa do Rei Tiago da Inglaterra, ou “King James”, trazia um prefácio de Miles Coverdale que trazia um conselho semelhante: “Será de grande auxílio para entenderes as Escrituras se atentares, não apenas para o que é dito ou escrito, mas de quem e para quem, com que palavras, em que época, onde, com que intenção, em quais circunstâncias, e considerando o que vem antes e o que vem depois”.

Sendo assim, não se pode querer entender a Bíblia como um saco de versículos que você sacode, mistura e tira dali uma passagem qualquer para embasar uma doutrina. Como escreveu Coverdale, é preciso saber “de quem e para quem... onde, com que intenção e em quais circunstâncias” aquela passagem aparece ali.

Quando aprendemos sobre a história do Brasil, a professora começa falando de Cabral e do descobrimento, e não da Operação Lava-Jato, para não surja alguma dúvida de que Cabral ela está falando. Assim acontece com a revelação de Deus. A revelação de Deus nas Escrituras foi progressiva e dada em etapas.

Quando Jesus esteve neste mundo, ele avisou aos Seus discípulos de que não havia explicado tudo quanto havia de explicar. Ele avisou o seguinte: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.12-14). A partir disso, dá para perceber a insanidade que é alguém achar que pode entender a Bíblia lendo apenas o que Jesus ensinou nos Evangelhos judaicos (aqueles que aparecem antes de Atos).

A carta aos Hebreus fala da revelação incompleta recebida pelos profetas do Antigo Testamento: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hebreus 1.1).

Em alguns casos, o próprio entendimento dos profetas ficara incompleto diante de algumas revelações divinas. Eles recebiam a revelação e não entendiam nada do que Deus estava passando para eles. Foi exatamente o que ocorreu com Daniel: “Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por isso eu disse: Senhor meu, qual será o fim destas coisas? E ele disse: Vai, Daniel, porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim” (Dn 12.8-9). Daniel tinha em mãos uma mensagem criptografada que ele próprio não poderia ler e entender.

Pedro também fala de algo parecido a respeito de revelações bíblicas que nem os profetas que receberam essas mensagens haviam entendido, pois não era o momento de eles entenderem: “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pedro1.10-12).

Portanto, quando chegamos em Atos dos Apóstolos encontramos a Igreja recém formada, mas não compreendida pelos próprios discípulos sobre os quais o Espírito Santo desceu em línguas como que de fogo. Pedro tem ali uma revelação de que, em parte, aquilo era semelhante à profecia feita em Joel 2.28. Todavia, tudo indicava que ele estava se referindo apenas à semelhança, pois não vemos que naquele momento tenham aparecido “prodígios em cima, no céu; e sinais em baixo na terra, sangue, fogo e vapor de fumo”, e nem se converteu o sol em trevas “e a lua em sangue” (At 2.16-20; Jl 2.28-31).

Sendo assim, naquele estágio da revelação de Deus, nos primeiros capítulos de Atos, nem Pedro sabia muitas coisas, como ficaria comprovado no episódio com Cornélio. Ele não fazia ideia de que as chaves que recebera do Senhor nos Evangelhos serviriam para introduzir os gentios e samaritanos no Corpo de Cristo, além dos judeus que acabavam de ser acrescentados à Igreja em Atos 2.

Enquanto isso, Deus estaria preparando um vaso escolhido para receber as revelações que faltavam ser reveladas sobre os mistérios de Deus. “Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel” (Atos 9.15). Mais à frente, Paulo diria: “Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios; se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação, como antes um pouco vos escrevi; por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus.” (Ef 3.1-10).

Percebe agora, caro leitor, como é impossível entender a Bíblia apenas sacudindo um saco de versículos e tirando aquele que bem entender? Existe uma ordem, e o livro de Atos é exatamente isso, atos ou ações dos apóstolos e da Igreja ao longo de seu período inicial, incluindo falhas e reajustes, como aconteceu no caso da “distribuição de alimentos”.

No capítulo 2 de Atos, os primeiros cristãos “estavam juntos, e tinham tudo em comum, e vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister” (At 2.44-45). Aquilo era uma iniciativa deles e não uma ordem de Deus para o povo cristão. Em primeiro lugar, não existe ali uma lei de Cristo dizendo que a Igreja deveria agir daquela maneira. Em segundo lugar, aquele método de ajudar os irmãos mais necessitados não durou muito tempo, pois logo o egoísmo se fez presente entre eles: “Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano” (Atos 6.1). A partir dali, os apóstolos precisaram decidir como organizar tudo aquilo na Igreja de Deus. Tudo isso nos mostra que os cristãos viviam um tempo de transição, de transformação e organização até que as primeiras doutrinas para a Igreja viessem por meio da carta aos Romanos. Por esta razão, usar um versículo isolado de Atos 2 para afirmar que cristãos devem adorar em um templo é não entender que o livro de Atos não tem nada a ver com doutrina, mas, predominantemente com uma fase de estabelecimento e organização da Igreja de Deus.

SÓ EXISTIU UM TEMPLO INSTITUÍDO POR DEUS, E ESSE TEMPLO NÃO FOI PARA CRISTÃOS, MAS PARA JUDEUS

Só havia um Templo instituído por Deus, e todo judeu estava proibido de adorar ou oferecer sacrifícios (dízimos) em outro lugar que não fosse o Templo de Jerusalém. Muitas pessoas pensam que as sinagogas eram o mesmo que o Templo. Isso é um erro. As sinagogas não eram templos nem lugares de adoração; elas eram escolas de judaísmo onde os judeus liam e aprendiam as Escrituras.

Os primeiros discípulos frequentaram o Templo de Jerusalém em Atos 2 simplesmente porque eles ainda não sabiam o que era a Igreja, pois as primeiras revelações de como a Igreja funcionaria viriam por meio de Paulo, e isso estava um pouco longe de acontecer. Tudo era muito difícil para eles ali, no nascedouro da Igreja. A conversão de Paulo ainda não havia ocorrido. Quando Paulo se converteu, ele veio a receber a revelação do "mistério" para poder explicar tudo quanto estava oculto até ali para os crentes da antiga dispensação. Digno de nota é que, se encontramos alguns cristãos indo às sinagogas depois disso, um leitor atento saberá que esses cristãos iam lá para pregar o evangelho aos judeus, e não para congregar com os judeus.

Após essa explicação, fica bem mais fácil entender o motivo pelo qual os primeiros cristãos visitavam o Templo de Jerusalém. As faculdades de teologia das diferentes vertentes denominacionais preparam seus ministros segundo o seu próprio "corpo doutrinário". Para quem não sabe, a expressão “corpo doutrinário” é usada por “pastores” e “ministros” dessas denominações para designar seu próprio sistema de doutrina predeterminado. Ou seja, é esse "corpo doutrinário" que irá definir como deve ser o entendimento da Bíblia naquela instituição religiosa em particular. Quando se trata de uma instituição que prega, por exemplo, obras da Lei, creio que o nome mais adequado para esse "corpo doutrinário" seria "cadáver doutrinário", pois a doutrina apresentada por Paulo à Igreja deixa muito claro que a letra da Lei só pode matar, e não dar vida; e por isso ela é chamada de "ministério da morte". Para melhor compreensão, confira Romanos 7.5-6 e 2 Coríntios 3.6-8.

Em suma, ainda que diferentes “ministros” de diferentes denominações possam argumentar que tudo o que está em seu "corpo doutrinário" veio da Bíblia, fica óbvio que cada uma dessas denominações sorteou as passagens que melhor se encaixam em sua doutrina já determinada pelos fundadores ou pelo “poder central” daquela denominação. O resultado é uma cristandade cheia de monstros doutrinários ao estilo Frankenstein, que inegavelmente foram montados com passagens bíblicas costuradas entre si, mas completamente fora de seu lugar e da função que Deus determinou para elas.

Hoje entendo melhor o que um irmão da Califórnia, que já está com o Senhor, queria dizer quando se referia a algum "Seminário Teológico" – ou "Theological Seminary" em inglês – como "Theological Cemetery" ou "Cemitério Teológico". O som do trocadilho funciona melhor em inglês.


Continua em: Fim dos Templos

Para voltar ao início, clique aqui:
SUMÁRIO - O EVANGELHO sem Disfarces

–– JP Padilha / O Evangelho sem Disfarces
–– Fonte 1: Página 
JP Padilha
–– Fonte 2: 
https://jppadilhabiblia.blogspot.com/
–– Fonte 3: 
https://jppadilhabiblia2.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário