Uma das justificativas mais usadas pelos
religiosos (fariseus) do sistema denominacional para fundamentarem a ideia de
que os cristãos devem se reunir em um templo para a adoração e ministério está
em Atos 2.46, onde diz que aqueles cristãos estavam “perseverando unânimes
todos os dias no templo”. Apesar da Escritura nos mostrar claramente que os
primeiros cristãos congregavam em suas casas (1Co 16.5,19; Cl 4.15; Fm 1.2),
fazendo da adoração no lar um substituto para a adoração no Templo, muitos dos
“pastores” e líderes religiosos insistem que o padrão para a adoração e
ministério na Igreja é estar em um templo, e que aqueles que não estão dentro
do templo são “desigrejados”.
Todavia, quem pensa ser possível entender a Bíblia com tudo junto e misturado
cai em erros assim: Por encontrar os discípulos nos Evangelhos adorando a Deus
no Templo, e fazendo isso até nos primeiros dias da história da Igreja, deverá
imitá-los. Porém, fazer isso é não entender que o Templo de Jerusalém — e não
alguma construção católica ou protestante — era o único lugar de adoração
autorizado pelo Senhor para Israel.
Deus nunca ordenou que os cristãos fossem ao Templo para cultuá-lo. No começo,
eles simplesmente continuaram fazendo isso durante um tempo por inércia, de
forma espontânea, porque ainda não haviam recebido a revelação de Paulo do que
realmente se tratava a Igreja e de como a adoração e ministério funcionaria de
uma forma completamente diferente daquela conhecida por eles até então. À
partir da revelação dada especialmente a Paulo, o apóstolo dos gentios, os
discípulos entenderam que o lugar de cultuar e adorar a Deus já não era mais o
Templo físico que estava em Jerusalém, mas sim o Nome do Senhor Jesus, como Ele
[Jesus] já havia profetizado (Mt 18.20). Pela doutrina revelada aos apóstolos,
em especial Paulo, logo após o período em que a Igreja ainda estava se
organizando em Atos, esses discípulos entenderam que havia agora três classes
de pessoas no mundo: Judeus, gentios e Igreja: "Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos
gregos [gentios], nem à igreja de Deus" (1 Coríntios 10.32).
No entanto, antes mesmo que essas coisas viessem à luz, Jesus já havia
vaticinado esse momento de ruptura com aquela ordem de coisas do Judaísmo,
quando disse à mulher samaritana: "Mulher,
crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém (Templo) adorareis
o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a
salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais
que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade." (João 4.21-24).
Mais a frente, essa ruptura seria cimentada pela revelação do que é, de fato, a
Igreja. Essa revelação do Espírito Santo foi dada inicialmente ao apóstolo
Paulo, e também através de epístolas como aos Gálatas e Hebreus.
Além dessas revelações sobre como a Igreja deveria se reunir numa assembleia, a
história ainda nos trouxe eventos indicando que Deus faria com que Sua vontade
a respeito de tudo isso seria feita, como no caso da permissão de Deus para que
os cristãos fossem afugentados de Jerusalém por conta da perseguição desencadeada
com a morte de Estêvão (cf. Atos 11.19). O que Deus quis com isso? A destruição
do Templo no ano 70 d.C.
Ou seja, não somente a revelação dada aos apóstolos e o aviso de Jesus Cristo
de que o Templo não seria mais um lugar de adoração, como também os próprios desígnios
de Deus foram essenciais para mostrar de forma clara ao povo cristão que Ele não
queria ser adorado em “templos de pedras”, cheias de adornos judaicos e com
“sacrifícios de tolos”.
O que falta a esses “pastores” e “ministros” do sistema religioso
denominacional é o entendimento que me faltaria se eu tentasse socorrer um
acidentado e tentasse reconstruir seu corpo. Por não ser médico, eu acabaria
costurando os órgãos nos lugares errados, na ordem errada e para cumprirem
funções erradas. O resultado seria um corpo bem ao estilo Frankenstein. Assim são as denominações existentes na cristandade,
e é assim que muitos de seus ministros tentam explicar a Bíblia, sorteando os versículos
que mais lhe agradam e que se encaixam em suas doutrinas pré-estabelecidas.
Quanto a isso, o apóstolo Paulo instrui Timóteo da seguinte forma: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como
obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”
(2 Timóteo 2.15).
A versão de J. N. Darby, se traduzida para o português, ficaria assim: “Esforça-te diligentemente para
apresentar-te aprovado a Deus, como obreiro que não tem de que se envergonhar,
cortando com precisão a palavra da verdade”. Nesta versão, a imagem que
temos é de um bisturi nas mãos de um hábil médico que separa os órgãos
corretamente, de acordo com seu lugar, posição e função.
A primeira edição da Bíblia em inglês, publicada em 1535 por iniciativa do Rei
Tiago da Inglaterra, ou “King James”, trazia um prefácio de Miles Coverdale que
trazia um conselho semelhante: “Será de grande auxílio para entenderes as
Escrituras se atentares, não apenas para o que é dito ou escrito, mas de quem e
para quem, com que palavras, em que época, onde, com que intenção, em quais
circunstâncias, e considerando o que vem antes e o que vem depois”.
Sendo assim, não se pode querer entender a Bíblia como um saco de versículos
que você sacode, mistura e tira dali uma passagem qualquer para embasar uma
doutrina. Como escreveu Coverdale, é preciso saber “de quem e para quem...
onde, com que intenção e em quais circunstâncias” aquela passagem aparece ali.
Quando aprendemos sobre a história do Brasil, a professora começa falando de
Cabral e do descobrimento, e não da Operação Lava-Jato, para não surja alguma
dúvida de que Cabral ela está falando. Assim acontece com a revelação de Deus.
A revelação de Deus nas Escrituras foi progressiva e dada em etapas.
Quando Jesus esteve neste mundo, ele avisou aos Seus discípulos de que não
havia explicado tudo quanto havia de explicar. Ele avisou o seguinte: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós
não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele
vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o
que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque
há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.12-14). A partir
disso, dá para perceber a insanidade que é alguém achar que pode entender a
Bíblia lendo apenas o que Jesus ensinou nos Evangelhos judaicos (aqueles que
aparecem antes de Atos).
A carta aos Hebreus fala da revelação incompleta recebida pelos profetas do
Antigo Testamento: “Havendo Deus
antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hebreus 1.1).
Em alguns casos, o próprio entendimento dos profetas ficara incompleto diante
de algumas revelações divinas. Eles recebiam a revelação e não entendiam nada
do que Deus estava passando para eles. Foi exatamente o que ocorreu com Daniel:
“Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por
isso eu disse: Senhor meu, qual será o fim destas coisas? E ele disse: Vai,
Daniel, porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim” (Dn
12.8-9). Daniel tinha em mãos uma mensagem criptografada que ele próprio não
poderia ler e entender.
Pedro também fala de algo parecido a respeito de revelações bíblicas que nem os
profetas que receberam essas mensagens haviam entendido, pois não era o momento
de eles entenderem: “Da qual salvação
inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que
vos foi dada indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo,
que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a
Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi
revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas
que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do
céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem
atentar” (1 Pedro1.10-12).
Portanto, quando chegamos em Atos dos Apóstolos encontramos a Igreja recém
formada, mas não compreendida pelos próprios discípulos sobre os quais o
Espírito Santo desceu em línguas como que
de fogo. Pedro tem ali uma revelação de que, em parte, aquilo era semelhante
à profecia feita em Joel 2.28. Todavia, tudo indicava que ele estava se referindo
apenas à semelhança, pois não vemos que naquele momento tenham aparecido “prodígios em cima, no céu; e sinais em
baixo na terra, sangue, fogo e vapor de fumo”, e nem se converteu o sol em
trevas “e a lua em sangue” (At
2.16-20; Jl 2.28-31).
Sendo assim, naquele estágio da revelação de Deus, nos primeiros capítulos de
Atos, nem Pedro sabia muitas coisas, como ficaria comprovado no episódio com
Cornélio. Ele não fazia ideia de que as chaves que recebera do Senhor nos
Evangelhos serviriam para introduzir os gentios e samaritanos no Corpo de
Cristo, além dos judeus que acabavam de ser acrescentados à Igreja em Atos 2.
Enquanto isso, Deus estaria preparando um vaso escolhido para receber as
revelações que faltavam ser reveladas sobre os mistérios de Deus. “Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque
este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos
reis e dos filhos de Israel” (Atos 9.15). Mais à frente, Paulo diria: “Por esta causa eu, Paulo, sou o prisioneiro
de Jesus Cristo por vós, os gentios; se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para
convosco me foi dada; como me foi este mistério
manifestado pela revelação, como antes um pouco vos escrevi; por isso,
quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos
filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos
apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo
corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual fui feito
ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu
poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar
entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de
Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação
do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por
meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de
Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus.” (Ef 3.1-10).
Percebe agora, caro leitor, como é impossível entender a Bíblia apenas
sacudindo um saco de versículos e tirando aquele que bem entender? Existe uma
ordem, e o livro de Atos é exatamente isso, atos ou ações dos apóstolos e da Igreja ao longo de seu período
inicial, incluindo falhas e reajustes, como aconteceu no caso da “distribuição
de alimentos”.
No capítulo 2 de Atos, os primeiros cristãos “estavam juntos, e tinham tudo em comum, e vendiam suas propriedades e
bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister” (At 2.44-45).
Aquilo era uma iniciativa deles e não uma ordem de Deus para o povo cristão. Em
primeiro lugar, não existe ali uma lei de Cristo dizendo que a Igreja deveria
agir daquela maneira. Em segundo lugar, aquele método de ajudar os irmãos mais
necessitados não durou muito tempo, pois logo o egoísmo se fez presente entre
eles: “Ora, naqueles dias, crescendo o
número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus,
porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano” (Atos 6.1).
A partir dali, os apóstolos precisaram decidir como organizar tudo aquilo na
Igreja de Deus. Tudo isso nos mostra que os cristãos viviam um tempo de
transição, de transformação e organização até que as primeiras doutrinas para a
Igreja viessem por meio da carta aos Romanos. Por esta razão, usar um versículo
isolado de Atos 2 para afirmar que cristãos devem adorar em um templo é não
entender que o livro de Atos não tem nada a ver com doutrina, mas,
predominantemente com uma fase de estabelecimento e organização da Igreja de
Deus.
SÓ EXISTIU UM TEMPLO INSTITUÍDO POR DEUS,
E ESSE TEMPLO NÃO FOI PARA CRISTÃOS, MAS PARA JUDEUS
Só havia um Templo instituído por Deus, e todo judeu estava proibido de adorar
ou oferecer sacrifícios (dízimos) em outro lugar que não fosse o Templo de
Jerusalém. Muitas pessoas pensam que as sinagogas eram o mesmo que o Templo.
Isso é um erro. As sinagogas não eram templos nem lugares de adoração; elas
eram escolas de judaísmo onde os judeus liam e aprendiam as Escrituras.
Os primeiros discípulos frequentaram o Templo de Jerusalém em Atos 2 simplesmente
porque eles ainda não sabiam o que era a Igreja, pois as primeiras revelações
de como a Igreja funcionaria viriam por meio de Paulo, e isso estava um pouco
longe de acontecer. Tudo era muito difícil para eles ali, no nascedouro da
Igreja. A conversão de Paulo ainda não havia ocorrido. Quando Paulo se
converteu, ele veio a receber a revelação do "mistério" para
poder explicar tudo quanto estava oculto até ali para os crentes da antiga
dispensação. Digno de nota é que, se encontramos alguns cristãos indo às
sinagogas depois disso, um leitor atento saberá que esses cristãos iam lá para pregar
o evangelho aos judeus, e não para congregar com os judeus.
Após essa explicação, fica bem mais fácil entender o motivo pelo qual os
primeiros cristãos visitavam o Templo de Jerusalém. As faculdades de teologia
das diferentes vertentes denominacionais preparam seus ministros segundo o seu
próprio "corpo doutrinário". Para quem não sabe, a expressão “corpo
doutrinário” é usada por “pastores” e “ministros” dessas denominações para
designar seu próprio sistema de doutrina predeterminado. Ou seja, é esse
"corpo doutrinário" que irá definir como deve ser o entendimento da
Bíblia naquela instituição religiosa em particular. Quando se trata de uma
instituição que prega, por exemplo, obras
da Lei, creio que o nome mais adequado para esse "corpo
doutrinário" seria "cadáver doutrinário", pois a doutrina
apresentada por Paulo à Igreja deixa muito claro que a letra da Lei só pode matar, e não dar vida; e por isso ela é chamada
de "ministério da morte".
Para melhor compreensão, confira Romanos 7.5-6 e 2 Coríntios 3.6-8.
Em suma, ainda que diferentes “ministros” de diferentes denominações possam
argumentar que tudo o que está em seu "corpo doutrinário" veio da
Bíblia, fica óbvio que cada uma dessas denominações sorteou as passagens que
melhor se encaixam em sua doutrina já determinada pelos fundadores ou pelo “poder
central” daquela denominação. O resultado é uma cristandade cheia de monstros
doutrinários ao estilo Frankenstein,
que inegavelmente foram montados com passagens bíblicas costuradas entre si,
mas completamente fora de seu lugar e da função que Deus determinou para elas.
Hoje entendo melhor o que um irmão da Califórnia, que já está com o Senhor,
queria dizer quando se referia a algum "Seminário Teológico" – ou
"Theological Seminary" em inglês – como "Theological
Cemetery" ou "Cemitério Teológico". O som do trocadilho funciona
melhor em inglês.
Continua em: Fim
dos Templos
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SUMÁRIO
- O EVANGELHO sem Disfarces
–– JP Padilha / O Evangelho sem Disfarces
–– Fonte 1: Página JP Padilha
–– Fonte 2: https://jppadilhabiblia.blogspot.com/
–– Fonte 3: https://jppadilhabiblia2.blogspot.com/
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